Terça-feira - 11 de Janeiro de 2011
22: 50 hrs
Nunca imaginei que fosse tão difícil dar
vida às palavras. Na verdade, nunca imaginei que fosse tão difícil começar a
escrever sobre a minha vida. Não sei se eu tenho muito a escrever, mas uma
coisa é certa, vivi, só não sei se simplesmente. A narrativa exige muito de
mim. É complicado porque a memória de qualquer pessoa muda todos os dias – a
minha é assim, me faz uma a cada dia.
Estúpida. Como posso começar a escrever
alguma coisa sobre mim sem me apresentar? Pois então... O meu nome é Odette
Rezende, mas todo mundo me chama de Dete,
é um apelido carinhoso que tenho desde menina. A minha idade deixarei para as
linhas futuras, creio que isso não te interessa agora, o que interessa é o meu
nome, e só. Loucura minha fixar nessas folhas em branco todas as minhas
intimidades, o que penso dos outros, minhas fantasias, meus ‘Amores’ e
desamores – confesso, vivi mais desamores do que amores. Escrevo porque penso
que posso deixar vivo os meus instantes. Partirei, mas as palavras carregarão
por toda a eternidade tudo àquilo que eu pensei sobre cada filho da puta.
É terça-feira. Esse ano parece estar mais
bonito, percebo cores novas nas ruas, movimentos em desalinho, porém, belos. O
que me entristece são os velhos hábitos. E essas pessoas que nunca mudam?
Envelhecem, ficam piores, retrocedem. Detesto essa gentinha primitiva!
Hoje pela manhã me bateu uma vontade de
fazer caminhada, é recomendação médica, mas faço porque quero, aliás, quem é o
médico para determinar o que é melhor pra mim?! Enfim, queria caminhar, mas
longe de casa. Queria estar longe do meu espaço e desses vizinhos detestáveis.
Levantei da cama, tomei um bom banho, relaxei, despertei, vesti uma roupa
confortável e preparei um café reforçado, me alimentei e parti...
Segui andando até a estação de trem que
fica próxima a minha casa, comprei dois bilhetes – ida e volta – embarquei. Eu
gosto de comprar bilhetes. Gosto de chegar ao guichê e sinalizar o número dois
com os dedos, ver a cara do sujeito que fica trancado ali por horas – tantas
caras, tantas vozes que para o atendente as pessoas já não possuem valor algum.
Para o atendente, tanto faz se uma delas morrer. Outras tantas passarão por ali
para comprar bilhetes de ida e volta. Engraçado, será que sentiríamos a falta
daquele vendedor de bilhetes? Não sei... .
Depois dessa breve reflexão sobre a vida
e os seus valores percebo que tenho em minhas mãos um horizonte. O dia está
lindo! O trem estaciona na plataforma, abre as portas, eu entro e disputo um
lugar para me sentar, ganho uma vaga num banco reservado para os velhos – não
sei se posso me considerar uma velha, eu ainda tenho a mente sã. O trem fecha
as portas e segue o seu destino...
Ninguém me olha, mas eu percebo todos –
gosto de perceber os outros –, pois foi nessa prática de observar que eu
descobri que o Amor ainda existe. Sim, existe, desajeitadamente, mas existe. Creio que as pessoas não sabem lidar
com esse sentimento tão abstrato, tentam, mas se decepcionam...
Escrevo isso porque diante de mim havia
um casal de namorados gays, dois meninos, um bonito e o outro nem tanto,
trocavam tímidas carícias – não queriam despertar a atenção dos outros, estavam
se preservando –, aliás, aquele Amor não dependia apenas deles, mas também dos
outros que ali estavam. Eu sei que você lerá isso e pensará: “O que os outros têm com o namoro deles?!”
Oras, se você não sabe o Amor integra, não apenas as vontades, os desejos e a loucura,
o Amor integra, também, a racionalidade e eles sabem disso melhor do que você - que é um babaca que se
acha moderno. Não sabes que o Amor pode significar respeito, companheirismo,
troca de experiências e apoio ao outro em momentos adversos e não o agarra-agarra em lugares públicos? Atos
ridículos até mesmo para os casais héteros?! Claro que você não sabe de nada
disso... Se liga otário!
Enfim, as questões comportamentais e a
sua interpretação também não me convêm. Eu quero que você, que me lê, se dane!
Escrevo porque pensei muito sobre o Amor e aquele casal. Percebi que o Amor não
tem forma, nem fórmula e nem uma bula para nos orientar a dosagem certa de como vivê-lo. Muitos
pensam que o Amor pode ser um remédio. Errado! O Amor pode ser a ferida – a sua
ferida ou a ferida do outro. O remédio para tais feridas pode ser o tempo, não
sei...
O trem já está em outra estação, para,
abre as portas e o casal desembarca, miro-os atentamente e penso que o
Amor para eles veio da maneira mais complicada porque o Amor deles depende dos
outros – eles são fortes, pois resistem aos outros. Esses malditos “outros”...
Só existem para estragar as preciosidades dos outros. Penso que eu nunca serei
como aqueles jovens que sabem bem como Amar e sentir as dores deste Amor tão
real e tão difícil de ser vivido. Eles são excessivos ao Amar, não se colocaram
limites. Eu me limitei em amar, errei, esfriei a vida e matei as chances que
tive de amar alguém, para ser sincera, nem tentei amar de verdade alguém. O
trem fecha as portas e segue para a próxima estação...
Escrevo que o meu “Amor” foi um filme com
um final trágico. Eu poderia ter construído coisas, mas não, acovardei-me, culpa
minha, não lamento, ou melhor, tenho que lamentar, pois quem eu poderia ter
sido se tivesse dado chances ao Amor? Não sei... Aquele casal está construindo
o Amor, vivem de maneira intensa, quebrantam todos os dias a tal “dependência dos outros”, vão além dos
outros, estão além de mim. O trem chega noutra estação, para, abre as portas,
eu desembarco e sigo em frente para fazer a minha caminhada pelo Parque a
espera de uma próxima história...
O trem segue rumo ao seu destino
carregando uma infinidade de outras histórias; umas engraçadas, outras trágicas
e outras que não saem dos planos da observação e dos pensamentos, mas que não
deixam de ser histórias.