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domingo, 8 de janeiro de 2012

25)- Mano Velho (Crônica)



Essa vida é cheia de personagens. Por onde passamos sempre há uma figura marcante, aquele que está entre todos, mas as pessoas só lembram dessa figura quando precisam de algum favor. É sempre assim...
Num bairro pobre em uma região qualquer na cidade de São Paulo viveu o Mano Velho, um velhaco alto, magro, barbudo e sempre com as roupas sujas e mal cheirosas.
Na hora de comprar um cigarro no Bar, para carregar um entulho e limpar o lixo chamava o Mano Velho, o gente fina.
Ninguém sabia da história de vida daquele velho. Um passado oculto. A memória do Mano Velho tratara de apagar as tristes lembranças e levar aquela alma vagar pelo submundo dessa cidade podre.
Num terreno baldio, o Mano Velho dormia todas as noites em um colchãozinho fininho doado por algum morador, havia espaço no colchão do Mano Velho para aconchegar os ratos. Durante a noite os sonhos o devorava, por vezes revelavam números que seriam o palpite do jogo do bicho no dia seguinte, mas na maioria das vezes estes sonhos se revertiam em histórias que ele contara nas portas dos botecos do bairro e quase ninguém se convencia daquele jogo de palavras, era o Mano Velho, o malandro e protagonistas do seu imaginário.
A sofreguidão do Mano Velho não era amenizada pelas pessoas que o pediam favor e nem pelos cachorros sarnentos que dividiam o almoço com ele, era a cachaça que com o traspassar dos dias o mutilara. Podia ser da raiz, a branquinha ou amarelinha, qualquer uma tinha o segredo para agradar o paladar do velho e fazê-lo esquecer daquela vazies interior que secara as lágrimas do homem ferido pelo tempo.
Todos os dias eram os dias de todos os botecos. Lá estava o Picareta! Entre uma história e outra uma dose de falsa alegria.
Em uma dessas manhãs anônimas fazia muito frio, os passos se aceleravam de maneira desgovernada, mas seguiam rumos individuais, os Bares abriam as portas, os ônibus lotados seguiam suas rotas guiadas pelos xingamentos e reclamações dos passageiros impacientes. Essa cidade é assim mesmo... tem muitas vozes, muitos tons e muitos sons, assim, somos nós integrantes desta grande banda desafinada.
Mas nesta manhã faltara um integrante. O Mano Velho não estava lá. Não haveria  cânticos naquela manhã? O dono de um dos bares preparou um pão com margarina e um café com leite num copinho descartável e seguiu ao terreno onde descansava o Mano Velho. Lá estava o picareta, deitado no seu colchãozinho fino, com as suas roupas mal cheirosas, com a boca aberta, pálido e enrolado num cobertor.
O dono do Bar chamava, mas o Mano Velho não mais ouvia. O dono do Bar chamava, mas o Mano Velho não mais abria os olhos. O dono do Bar chamava, mas o Mano Velho não mais mexia o corpo. O dono do Bar chamava, mas o Mano Velho não mais despertaria para reviver as suas histórias. Então, o dono do Bar e aquela fria manhã anônima choraram juntos a partida daquele picareta que agora encontrava-se eternamente preso em seus sonhos.
O dono do bar ajoelhou-se, pôs a mão direita na testa gelada do velho e disse baixinho: “Mano Velho, picareta, onde quer que estejas, estarás tu melhor do que aqui..."

Fernando de Souza Júnior.

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